Amarildo Clayton Godoi Brilhante
Gostar
de um livro é encontrar nele elementos intrínsecos. Qualquer escritor ainda que
inconscientemente utilizando-se da mais valiosa matéria prima, a saber, a
palavra, tem o poder de invadir o silêncio da alma e remexê-la tão bem a ponto
de desencadear o amor ou o ódio, algo que Rubem Alves soube fazer em muitos de
seus escritos.
No
livro, Um céu numa flor silvestre, objeto de minha análise, verifica-se que há
um processo simbiótico, um entrecruzar de sentidos a partir do momento em que o
conteúdo do livro e o nosso interior revelam um encontro de teses e antíteses,
uma explosão de vontades entre quem escreve e quem lê de fato. Eu me emocionei
quando deparei com a narrativa do menino flautista e mais uma vez fica
evidenciado que o dinheiro muda opiniões. Quem gosta de ler vivencia o mesmo
sabor de quem chora ao ouvir uma música. Seus pensamentos viram um turbilhão, a
imaginação solta, voa longe. Quem nunca na sua meninice não brincou com a
fantasia ou quem nunca presenciou uma criança e suas fantasias? As
representações imagéticas que se formam a cada página são uma constante na
obra.
Quem
devora livros traz para dentro de si parte do outro, as virtudes são
apropriadas, são pixels de sabedoria que se aglutinam formando
um todo. A junção dos elementos contido na obra levam a beleza da imagem. Logo,
se a obra que se apresenta ao leitor não tem uma boa resolução, ele a abandona.
O abandono pode se dar por vários motivos, é claro. Mas a identificação com o
aproxima. O leitor pode se enamorar com a obra por um pouco de tempo ou ainda
mais um pouco de tempo. Mergulhar num processo de devorar livros
fará com que algo aconteça. Nas páginas iniciais da obra o autor explana
questões metafísicas versus a solidez terrena. O autor traça diferenças entre o
adulto e a criança onde diz: “Às crianças basta pouco; crianças nunca faz
perguntas assim, por isso são mais felizes; crianças são entidades
paradisíacas”. Também delineia suas considerações sobre as palavras, dizendo:
“as palavras têm um poder de engano infinito, assim como, de feitiço”.
Concordo. (Página 30, capítulo 4)
As
citações de outros escritores são frequentes em sua obra, tais como: Alberto
Caeiro, Fernando Pessoa, Friedrich Nietzsche, João Guimarães Rosa, Manoel de
Barros, Octávio Paz, Wittgenstein, entre tantos outros. Consoante o autor, as
projeções que um indivíduo faz formam os contornos da pessoa que fala. Só quem
ler o capítulo 5, da parte I, entenderá o que é encontrar um pinho de Riga ao
final do trabalho. Na parte II, fala sobre amigos e conhecidos que são
agraciados, história de pessoas que receberam dádivas dos deuses. Fala sobre o
fracasso dele em tocar piano e conclui: “o piano não estava dentro de mim,
embora o amasse, mas com o Décio foi diferente.” Fantástica a menção a Nelson
Freire. E Rubem arremata com uma frase impactante: “os deuses são injustos.”
Ouvir o Nelson é uma experiência de assombro, diz ele. Sem dúvida, a maneira
como deixa evidenciado o dom de Nelson, deveria ser extraordinário estar
presente para ouvi-lo. Eu gostaria também de presenciar só para ouvir o Nelson.
O escritor soube explorar muito bem sua vertente de teólogo e psicanalista. Uma
verdadeira aula em suas frases-efeito as quais um leitor atento viaja em
reflexões. E o leitor acaba por concluir com a seguinte exclamação: Fantástico.
Caminhos dialógicos, experiências e textos que nos levam a entendermos um pouco
mais acerca da vida. Ler Rubem Alves é gratificante, é aquisição de
conhecimento garantido, é embebedar-se na sabedoria humana.
Para
ele, vivemos os assombros da vida. A correria e loucura dos nossos dias não nos
permite ver. Ou será que permite, mas optamos por sermos cegos? Passamos de um
lado a outro e não nos detemos a beleza dos pássaros, flores, cores, geometrias
e etc., mas nos mergulhamos incansavelmente nos logaritmos neperianos, orações
subordinadas, fases da mitose. Vês! Você tem um rio que corre. E a tua vida
corre para qual lado? Os pés não caminham sozinho, as pernas não caminham
sozinhas, aonde vão levam consigo o corpo. E aí, ler ou não ler? Eis a questão!
Leio, por que existo.
E
para finalizar dizem que ele teria escrito: "Já tive medo de morrer. Não
tenho mais. Tenho tristeza. A vida é muito boa. Mas a Morte é minha
companheira. Sempre conversamos e aprendo com ela. Quem não se torna sábio
ouvindo o que a morte tem a dizer está condenado a ser tolo a vida
inteira." Ilustre e encantável este imortal Rubem Alves. Está esperando o
que para lê-lo?
Esta publicação pode ser citada ou reproduzida livremente, com a condição de que a sua procedência seja mencionada .
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Amarildo Brilhante, é professor, escritor e palestrante. Formado em Direito, Letras, Técnico em Informática, Técnico em Contabilidade.
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