29/10/2020

Sertão Urbanizado

 

Amarildo Clayton Godoi Brilhante

I – Roçais o nascimento

Das roças e capinzais,

Em meio aos matagais

a fumaça piruetando

vai cruzando

seu apito que apita,

Apita que apita

o apito soa na longa estrada

corre, corre bem o trem

assentado em seus trilhos

aos céus, a estrada é longa

Araçatuba vai formando

Fumaceando e apitando

aos longos e breves

dá-nos as costas

Fumaceia fumaceia

o progresso que nos traz



Aqui o sertão não virou mar

O Tietê está a nos banhar

Suas águas límpidas a jorrar

sem fundador pouco a pouco

Araçatuba esteve a se formar

a noroeste do Brasil



Deitam e cortam-se os capinzais

Lá nos idos do século XX

nasceu, nasceu e cresceu

vigorosa e elegante

no noroeste do Brasil

no entorno das linhas paralelas

foi lá na antiga ferrovia



Lá nos idos de sessenta

Dar voltas ao sul do país

nem pensar



Tião Maia visionário precursor

o maior frigorífico do país

veio a instalar

Deu início ao ciclo econômico



Entre terras, o concreto

Entres flores, o progresso

Entre as matas, o machado

e seus índios caindo ao lado



Não poderia deixar de falar

da praça central

até hoje no mesmo lugar

Lá pelos idos de 50

deu o que falar na praça

a Capital do boi Gordo

ali naquele lugar

seu preço taxado para o país

histórias e mais histórias

que o povo conta

deu o que falar

Referência até hoje

por marcar aquele lugar

tão antigo quanto a ferrovia

o português, em seu armazém

secos e molhados.



O Tietê logo ali,

banha, banha nossa cidade

Aqui não vestimos a pilcha

nem temos chiripá, nem bombacha

Aqui se tem o cupim casqueirado

prato típico neste lugar

Aos poucos as matas, nossos sertões

foi virando uma cidade boa de se morar

Sobre o denso tapete marrom

deitou-se a negra resina

aos quatros cantos

assim se fez na urbanização

Dando novos ares

ao antigo sertão

Lá se foi meu antigo sertão

quem dele tem saudade

que levante a mão



II – Dos males na terra

Lá nas terras a noroeste do Brasil

há os que não amam ninguém

tem ladrões e loucos que se disfarçam bem

Ainda se vê restim de árvores

rural e zona urbana tem

e que zona…

coexistem-se,

o progresso da urbana

alguém explica onde é que tá

A cidade é uma Caatinga

Prudente, Bauru e Rio Preto

alargaram os passos

Cá nesta cidade as lágrimas correm

sanguessugas roubam sem dó

Esterilizem, esterilizem,

vermes e vírus estão a contaminar

na cidade dos horrores nem beleza há



A cidade se liga o sertanejo

não queremos, carregamos

as caatingas não param

é polícia federal enquadrando

o poderoso chefão nas Casas



Os lençóis em terras vermelhas

vestem em ternos pretos

o caipira descaipirou-se,

é a tecnologia informando.

Todos os dias bons e maus

brindam-se com a morte

encontram em seus leitos o pó.

Não há nada que saneie

o coração dos bárbaros

a não ser a morte.

Aos viventes na urbe

sobem a cabeça o orgulho

os de cá não são como os de lá

Somos melhores, arrotam no peito

perdem-se em seus desamores,

orgulhos e julgamentos

as Caatingas se espalham

sangram a pele do trabalhador

e nas Câmaras e Palácio folgam em risos

em suas vultosas regalias

A infecção dos poderosos alastram

Não há cura, a não ser a morte.



III – Sertão republicanizado



De ponta a ponta

duma extremidade a outra

ao sertão republicanizam

as cidades superpovoam-se

e pouco a pouco vão ligando

como se ligam as linhas

de norte a sul, tornam-se una.

Ideologias, sistemas e regimes...

os espaços geográficos do campo

ganham contornos de desenvolvimento

os espaços geográficos da gélida selva de pedra

geram desenvolvimentos, torram as mentes,

arruínam os corações, põem uns contra os outros

neste mundo onde todos somos irmãos

é a agricultura lá, é agricultura cá

se avança com pecuária, silvicultura, extrativismo,

não se pode esquecer da conservação ambiental

o turismo está cá e lá

gera que geram

tirem seus chapéus

juntos e misturados

um não vive sem o outro

são as comunidades urbe e rural

passando pelo processo de transformação

instigado pela industrialização

Ambas perdidas em suas densidades demográficas

Suas infraestruturas nem sempre a contento

O que seria da cidade

se não existissem os campos

Se numa tem indústrias, hospitais e comércios

noutra tem o pão, leite e carne.

São produtos e serviços

lá e cá, cá e lá

Cansados um e outro

os de cá vão pra lá e os de lá vem pra cá

são os fenômenos do êxodo

atraídos pelas ofertas de trabalho

os centros incham-se

uns querem a paz,

outros a novidade de vida

desordenam-se as populações,

favelizam-se,

violentam-se



Peixes grandes engolem os pequenos

contracenam-se as paisagens

natural e humanizada

Suas infraestruturas,

sítios, chácaras e fazendas,

casas e prédios

Corre corre aos centros urbanos

extra, extra, extra

ofertas de emprego

máquinas incessantes

intensos processos

urbanizam-se as áreas não urbanizadas

ao povoamento disperso

ganham-se aglomeramentos

sufocam-se, concentram-se

extrativismo dos couros arrancados

ao sabor de míseros tostões



Os de cá vão pra lá e os de lá vem pra cá

ambos se distraem cada um a seu modo

Ferem a terra, preparam-se os campos,

colhem e vendem



Ferem a alma, cansam e matam o corpo

lutam na manutenção física e mental

e se põe ao cinema, diversão, parque e televisão

Os de lá pescam, andam a cavalo,

banham se nos rios,

bailam e vão a rodeios

Nas convergências da vida

Ambos se distraem, interdependem,

conversam.



Tem bicho aqui, tem bicho acolá

Tem planta aqui muito mais que acolá

Há que sobreviva aqui, há quem sobreviva acolá



Se o Estado que a tudo governa

não vai bem é por causa dos aleijões

e sanguessugas politiqueiros.

Se cria, se sobrevive aqui e acolá

Se tem bicho do pé aqui também tem acolá

Tem atrofiado catinguento aqui e acolá

São imaginosos e tem muitas formas os enganadores

encantos mil possuem,

estilosos na arte de hipnotizar.



As serras não param nem aqui nem acolá

depressa põem-se de pé aos sinos tanto

os daqui como os de lá

Aos amores daqui

não sei se o fazem os de lá

Meu coração não se acalma

na loucura de ainda amar

e de nesta cidade morar.