Amarildo Brilhante
Estranhamente, por volta das
sete horas da manhã, ao acordar algo acontecera. Não se sabe ao certo se à
noite ou ao findar. Acordou, dirigiu-se até a cozinha como de costume. Logo que
cruzou o banheiro avistou no chão um saco branco, uma sacolinha destas comuns
de supermercado. Estava ali caída. Com ar de espanto, parou e pensou por alguns
segundos. E chegara, neste instante, a formular algumas hipóteses. Teria sido
algum pássaro? Teria sido o cachorro, pois seu irmão saíra antes dele, cedinho
e a porta ficou aberta. Teria sido algum rato, pois àqueles dias estavam
chuvosos e os ratos uma vez incomodados migravam de lugar. E o lugar escolhido
seria o quarto do irmão, afinal, aquilo não era um quarto digno. Um verdadeiro
lixo de amontoados. Tantas inutilidades num só lugar. Faxina nem pensar. Havia
pó por todos os lugares, roupas caídas. A cena era de caos, lembrava o
pós-guerra. Ele sofrera de uma patologia: acumulador de lixo. Mas será que de
fato seria doença ou uma maldição, visto que, haviam outros na família que
passaram pelo mesmo processo de se sentirem confortáveis em meio ao lixo. A
questão é, ali era um antro de ratos.
Esconderijo e criadouro, proliferavam-se. Mas, não. Não poderia ser ou
poderia ser. Visto que o irmão mais velho era o oposto, totalmente.
Acautelava-se de colocar veneno por toda a casa, nos cantos. A vitamina
venenosa, àquela altura, já teria percorrido os corpos imundos, nojentos. Ratos
de esgoto, credo! Criatura asquerosa, tinha nojo. Teriam descido a sepultura
ratidiana, mansão dos ratos.
Avançou mais três passos,
abaixou-se e apanhou a sacolinha do chão. Era o saco de pães. Intrigado,
pensativo, exclamou em alta voz: Cachorro ordinário, cretino! Foi até a vasilha
de comida e viu que estava vazia. Mas de onde viera tanta fome se antes de
dormir a vasilha estava cheia? Teria ele roído os pães? Parecia roído de rato!
Naquele dia jogou o saco inteiro de pães no lixo. Não iria comer aquilo, é
claro! Fez todo o preparativo matinal e saiu para o trabalho.
Após um longo e cansativo dia de trabalho, ao
retornar para sua casa, parou em uma padaria e comprou outro saco de pães.
Novamente, chegando em casa colocou o saco de pães sobre a mesa. Assim ficou
naquela outra noite os pães sobre a mesa. Quando no outro dia acordou e dirigiu-se
a cozinha; adivinha o que aconteceu? A mesma surpresa, o saco de pão estava
roído, só que desta vez, roído sobre a beirada da mesa. Esbravejado soltou
alguns impropérios. Filho da ... Eu não acredito! Outra vez! Saiu olhando pelos
cantos a ver o veneno se os roedores de plantão o haviam comido. Viu que nada
mudara. Quem será que estaria por trás de tudo aquilo. Qual bicho asqueroso
estaria fazendo aquilo? Perguntou ao irmão, aquele que fez aos ratos abrigo.
_ Por acaso você tem ideia de quem está por trás
disso? Ele disse nada saber, aliás nada saber já era algo que fazia parte da
sua vida. Não sabia o dia em que passavam os lixeiros na rua. Tudo que era objeto de
questionamento dizia: - “Não sei.” Um morto vivo! Mais um dia de preocupação. O
que estaria acontecendo. Será que seria oportuno, pensou, em colocar câmeras de
vigilância dentro da casa. Gastar um dinheirão com aquilo, seria por demais.
Concluiu, melhor não. Pensou, então. Amanhã, acordarei antes do sol nascer e
ficarei à espreita. Deixarei a porta aberta. Dessa vez eu pego quem está
acabando com os meus pães.
Ao sair trancou a porta e
naquele dia ficou pensativo, é amanhã, é amanhã... Corriqueiramente, passou na
padaria e levou para casa outro saco de pão, pois também havia jogado o outro
fora.
Fora dormir e como havia planejado acordou mais
cedo aquele dia, pois daquele dia não poderia passar, haveria de descobrir que
era o roedor dos pães. Passou pela cozinha e o pão estava intacto. Abriu a
porta e se pôs em um canto enrolado em um lençol, onde pudesse passar
despercebido. Ficou ali, à espreita, esperando. A hora foi avançando e ele à
espreita esperando. O clarão do dia começou a dar as suas caras e ele ali
esperando, esperando, esperando e nada... O despertador do celular tocou, tocou
e tocou. O dia raiou e ele ficou mais um dia sem saber; quem roeu o meu pão?
Infelizmente, na vida é assim.
Há sempre quem nos prejudica em algum momento ocultamente e tentamos, tentamos
e tentamos e acabamos não descobrindo quem nos fizera mal. Apenas sentimos os
efeitos, na esperança que a lei do retorno chegue com brevidade, a quem um dia
nos fez tanto mal.
Amarildo Brilhante, é professor, escritor e palestrante. Formado em Direito, Letras, Técnico em Informática, Técnico em Contabilidade.
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