30/03/2020

Um Dia de Escrivão



Aos 24 de agosto de 2018, estava ali um homem barbudo, alto, moreno e sensual, quietinho e sentado na cadeira sob o inferno de uma sala quente, ares-condicionados que não davam conta do recado quando de repente aparece à frente uma diva, Renata era o nome dela. Com uma voz doce, porém potente dirigiu-se ao público fazendo fortes apelos utilizando-se de tons suaves buscando a adesão de alguma ovelhinha. As ovelhinhas miravam os olhares para baixo, para o alto, fingiam não ser com eles, disfarçavam-se, todos fugindo de mais uma responsabilidade. Interiormente, cada um começou uma torcida fanática de interesse pelo outro, a saber, que o outro fosse o escrivão escolhido ou redator caso prefira, afinal, em meros instantes ficou notável que ninguém ao menos naquele dia desejaria dispor dos dons habituais de escrita.  Parecia a fila da morte onde cada um empurrava a senha para o outro cheio de cordialidades.
O silêncio se manteve por longos minutos após a solicitação. Renata a superdiva ficara ali interiormente reflexiva pensando, meu Deus? Estes professores coordenadores! Todos se escondendo debaixo dos seus mantos. Os olhares da diva Renata, uma mulher alta, estilosa, fina, circulava a frente na sala num anseio quase desesperador e, eu, quietinho num ato de penitente arrependido pedindo a papai do céu: eu, não! Eu, não! Encolhia-me e me recolhia como uma tartaruga dentro do seu casco para não ser visto. Nada disso adiantou. Parecia que num ato de supermulher que emergia raios-X dos olhos me encontrou e fora contra os meus ideais de não-fazer, não ser contemplado com este malefício, sabendo eu que iria procrastinar até onde desse, torcendo para que a amnésia batesse em todos. Utopia, é claro! Quem dera tivera eu a mesma sorte de ser achado pela megassena acumulada em meu bilhete premiado. Um sonho apenas. Tentei interpelar, e num ato de desespero queria recorrer a todos os tribunais e instâncias superiores para exercer o meu direito de não fazer. Pensei até em Tribunal Penal Internacional sem nenhum crime ter cometido. Não teve jeito, aquele jeito meigo, aquele olhar penetrante e simpático foi mais forte e eu num ato de aquiescência cedi, não precisava muito, sou uma ovelhinha cheia de defeitos, porém obediente, afinal fazemos parte do mesmo aprisco. Tentei argumentar que estava com sono, pois acabara de acordar, nem café havia ainda tomado. Consenti finalmente, sem muita relutância. Após bater o martelo, acordos estabelecidos, entrou em cena um jovem de nome Willian trazendo ao cenário um assunto sobre sinalizador de processo. Willian, um moço jovem, alto e com uma certa protuberância perceptível numa linha horizontal, a quem defronte o observa. William Fez uma belíssima explicação, todavia, os coordenadores comportavam-se como alunos não deixando o homem falar. Teceu comentários sobre o sinalizador da escola Artur Leite Carrijo exemplificando aos presentes. Perpassou sobre vários itens. O discurso exemplificativo era mais ou menos assim:  
Se aparece calculado fica como atingido ou não atingido na coluna. No status aparece atingido ou não atingido. Setinha verde pra cima ou pra baixo no campo, evolui. No Campo Fluxo – anos finais: correspondem a ciclo, por exemplo, 6.ºs aos 9.ºs anos. 
O PCNP William mostrou a primeira linha referente ao desempenho e falou sobre o resultado base da média dos terceiros anos da escola e o resultado do ano e o outro campo referente ao sinalizador. Falou sobre os fatores que compõem o sinalizador da escola (quantidade de alunos, questão socioeconômica. A escola de referência é aquela que alcançou o melhor desempenho. A setinha verde ou cinza é quando você compara com os anos anteriores. O resultado negativo do desvio é quando avalia o resultado e o simulador de referência. Clicou em Foco Aprendizagem, mostrando-se assim o resultado bimestral e resultado por desempenho. Mostrou a média Aritmética. Vai pegar as quatro questões que o aluno mais acertou. 
Ouvia-se ao longe o velho e longo apito de fábrica, horário de almoço onde cada um virou um cisco em questão de segundos num ato frenético de que pra almoçar é um leão, mas para trabalhar... Melhor parar por aqui, senão... a chances de sair vivo, exaurem-se. 
Após o almoço, abriu-se com o Diego, PCNP de Biologia, rapaz alegre, simpático, cheio dos sorrisos entrou atacando o público com uma tal de proporção. Willian e Diego fizeram um teatrinho, ainda bem que não são comediantes, ufa! Abordaram o cruzamento entre matemática e Biologia para explicar PROPORÇÃO. Trouxe um gráfico pra exemplificar a densidade das populações de gato do mato e coelho que estava sendo caçado. Afinal, caçado é com dois esses ou com c cedilha? O senhor pardal da Matemática falou do eixo das abcissas, eixo X e eixo Y. O caríssimo, o prezado, o notável senhor Willian ressalvou que a Matemática está presente em outras disciplinas. Agora eu descobri porque ninguém aprende nada, quem merece tanta abstração pra um mundo concreto. Disse que antigamente era cada um no seu quadrado fazendo referências a conteúdo curricular. O professor muitas vezes não consegue fazer esse cruzamento. Passou a bola para o Marcel, o homem dos problemas veio nos problematizar. Lançou um desafio cujo objetivo era trabalhar com a lógica Matemática. O tico e o teco mal tá funcionando pra lembrar o que almoçamos ontem e lá vem ele causar uma confusão na nossa cabeça. Senhor Marcel e William cada um com seus problemas senhores, quem os criou que os resolva (risos).
Na atividade proposta por Marcel exibiu uma imagem em que deveria ser encontrado a hora o dia e o mês relacionado a uma cidadezinha. Após exibir a imagem, disse os objetivos e procurou mover os conhecimentos prévios das pessoas, como conhecimento lógico, data, leitura, e outros detalhes. Os PCs ficaram numa encruzilhada e se debatendo sobre a atividade, levantou-se uma grande discussão tentando deduzir para se chegar a resposta. Feito o desafio após a imagem, após as discussões coletivas apareceu o senhor Matemática com a resposta. Mui provavelmente, o senhor matemática, caçoava em seu interior de um bando de pessoas que lutavam e relutavam em busca de acerto. Onde já se viu, ficar criando intriga valendo-se de números, letras e coisas sem pé e nem cabeça. Me poupe, nos poupe e se poupe. Hastag fujamos da matemática ou caiamos logo de cabeça nela se é que não temos cabeça.  
Willian retorna ao cenário e entra com um eslide intitulado PARA PENSAR ... Mais uma vez o discurso foi longo. Começou proseando assim: Quais os conhecimentos foram necessários para se encontrar as informações e quais as disciplinas estão envolvidas no processo? 
Informou sobre a necessidade de os professores trocarem informações. Se o professor quer fazer uma atividade extra e troca uma informação um com o outro é possível que estas proposições feitas aumentam a possibilidade de interdisciplinaridade. E assim caminha a humanidade... Veja prezados senhores nem pude dar-me a honra de “pescar” durante apresentação, afinal sobre meus ombros pesou a responsabilidade de ser o escrivão. 
E continuou ele a dizer não só com palavras, mas também com as mãos e braços. Disse que um simples bate-papo entre os professores especialistas da área pode fazer com que cada um se enxergue de certa forma na disciplina do outro. Um simples bate-papo. Falou sobre a importância de pensar nesse movimento. Quando apresentou no núcleo a habilidade fez com que os demais estudassem para chegar a conclusão dos pontos da interdisciplinaridade. 
Não poderia é claro de explanar conceitualmente o termo interdisciplinaridade. E pra ficar mió de bom, na sequência não pudera ter deixado de questionar: Como está acontecendo lá na sala de aula? Seu objeto transpareceu como águas límpidas, a saber nenhum ouvinte poderia sair dali sem ter conhecimento da metodologia do trabalho interdisciplinar. E você acha que acabou? Saiba que o melhor vem agora. A sempre elegante, linda e maravilhosa supervisora Marisinha também abrilhantou o cenário tecendo sobre: Prevenção também se ensina e Escrevendo o Futuro. Por um determinado momento, um susto, os matemáticos até arrepiaram, parecia que teríamos uma aula de gramática quando mencionou a questão de siglas se há ou não plural. Enunciou aos espectadores, espere como se escreve expectador com x ou s? Bem expôs ela que não se deve fazer o projeto só por fazer apenas para cumprir tabela, mas sim discutir/ debater e exaurir o assunto.
O Willian nosso super astro coordenando as ações no computador levou as pessoas ao delírio ao colocar um relógio de contagem do tempo online, um momento de grande agitação entre as pessoas. 
Nossa programação foi interrompida para um breakfast e após o café fizemos a socialização. A Renatinha da escola I.E ficou dançando na frente com a matriz na mão e não parava de gesticular, principalmente, com a mãos que se revesavam e olhava para trás para ver o relógio, pois o tempo urgia contra si. A Su tinha uma postura corporal parecida a um compasso com o pé esquerdo a frente e o direito atrás. E assim sem mais delongas o PC de História falou sobre perguntar a outro professor no que ele pode ajudar naquela habilidade presente. Após as discussões os professores socializaram. O professor Cecato e o Willian enfatizaram a questão da intencionalidade do professor. Por exemplo, não precisa ser especialista para dizer o quanto equivale 0,5 de 200 milhões de habitantes. Quando o professor faz assim ele está tangenciando o assunto. É preciso um trabalho articulado de forma que com o passar do tempo vá ficando automático. 
O super astro Willian estava mesmo inspirado. O cara mencionou Romero Brito, artista que pinta quadros, falou de polígonos, pesos e medidas, porcentagem e outros diachos da matemática. Willian e sua matemática. A matemática não é de Deus não meu povo! Houve estudos de casos onde os PCs foram separados em grupos por escola. E nos foi solicitado para a próxima ATPC trazer o protocolo de acompanhamento de uma aula que não seja de matemática, mas contemple direta ou indiretamente uma habilidade de matemática. 
A super diva Renata demonstrou seu contentamento com os PCNPs dizendo estar sempre surpreendida com a excelente atuação dos PCNPs. Falou sobre os desafios que temos, mas que temos também grandes possibilidades. Nós precisamos ter intencionalidade. É uma grande visão que devemos ter, disse a supervisora Renata. O encerramento foi marcado por um lindíssimo fundo musical com as vozes de Andrea Bocelli e Sarah Brightman. Esse povo da D.E Araçatuba são um arraso.  
E assim se foi, se foi e se vai... caminhemos todos alegres e contentes. Que nossas pegadas sejam marcas suficientemente fortes para influenciar vidas e melhorar não só a vida de pessoas, mas a esta nação como um todo. De parte em parte, não desistindo e tendo como lema desistir nunca, recuar jamais, sendo assim, avancemos como um visionário que marcha contra a maré. 
 “A tortura de quem escreve é querer agradar e a tortura de quem lê é não se agradar com o que leu”. Amarildo Brilhante 
Um forte abraço a todos e sucesso em nossa trajetória!
Texto escrito pelo coordenador de escola, Amarildo Brilhante, após uma reunião de coordenadores na Diretoria de Ensino de Araçatuba - 2018

29/03/2020

Barril de Pólvora

Artigo de Opinião

Amarildo Clayton Godoi Brilhante
  
Bolsonaro dá constantes socos sobre a própria cabeça por não pensar sobre o que fala, tentar corrigir posteriormente sai muito mais caro e nem sempre o remédio elimina o veneno fazendo com que o paciente venha a óbito.

Há uma ala muito forte ainda de apoiadores, pois a fala de construir um Brasil melhor com o mínimo ou isento de corrupção é o que todo cidadão de bem deseja. Mas isto por si não basta. É preciso haver um alinhamento entre os poderes institucionais e aquilo que efetivamente a população deseja na prática. É nítido até aos olhos dos incautos que temos um Congresso Nacional, Senado e STF trabalhando a desfavor do Brasil. As decisões não coadunam com quem quer ver um Brasil sair da condição de em desenvolvimento para um país desenvolvido. A Educação não vai, haja vista ser a principal fonte de transformação de uma sociedade, a saúde não vai, o pobre padece quando dela necessita e a segurança sofre os reflexos de uma educação de má qualidade e as não condições de acesso as riquezas produzidas, em outras palavras, rico cada vez mais rico e o pobre pagando a conta. O Coronavírus nos trouxe diversas lições, entre elas a de que o trabalhador se não sair de casa para trabalhar o país entra em colapso seguido do caos. O mínimo de bom senso que o presidente Bolsonaro deveria usar é deixar que um porta voz fale por ele, já que ele não sabe falar, seria prudente, uma vez que age por impulso. O outro ponto é que as forças armadas em específico o Exército acompanha todas as movimentações e nesse ponto não estamos ilesos de uma ocupação militar como já teve precedentes na história. Estamos sentados sobre um barril de pólvora pronto a explodir. Há quem diga que secar o oceano é mais fácil do que isto acontecer, porém existe uma verdade que não dá para contestar; não há nada tão ruim que não possa ser piorado. É evidente que a postura do presidente de dizer não aos acordos políticos, o chamado toma lá dá cá, tem incomodado os sanguessugas no poder e, neste quesito, não param as articulações para levar o presidente a um impeachment ou renúncia, encontrando ainda apoio em algumas mídias. Há muitos lobos em pele de cordeiro desejando. Quando Rodrigo Maia sem pudor algum vem a público dizer que não sabe e gostaria que alguém explicasse o que é a velha política, ele mesmo se entrega em seus dizeres. Por que Maia não se preocupa em regularizar o imposto sobre grandes fortunas? A piscina está cheia de ratos.

Dois grandes momentos mexeram com a sociedade brasileira, um foi a eleição de 2018, em que ficou nítido quem eram os esquerdistas e o que eles queriam fazer com o Brasil e o outro foi a direita. Essa dicotomia bem e mal, esquerda e direita ainda está a perseguir; ideologia partidária é discretamente ensinado nas escolas, todavia, entre tudo isso o governo federal não pode deixar as balizas de lado. Vir a público tratar com desdém uma doença que preocupa boa parte da população é algo irracional, transmitir a população o tanto faz, se vai morrer mil ou dois milhões é sem dúvida dar um tiro no pé, uma demonstração de indiferença com as vidas que se perdem. É hora de o governo federal sentar e pôr as mãos sobre a cabeça e melhorar a comunicação e as relações interpessoais, antes que seu governo sucumba, pois o poder não é para sempre. Ou Bolsonaro corrige urgentemente os erros ou decepções e tempos sombrios estão por vir. O clima pode mudar. O outro ponto da discussão é o Exército estar e sempre esteve pronto para entrar no Congresso Nacional e verter a ordem atual. Ou o Congresso se alinha com a nova estrutura de governo e faz as modificações que o país precisa e o povo espera ou os 513 que se preparem, pois estamos na iminência disto acontecer. E neste ponto não sou contra. O oceano não vai secar. 


Amarildo Brilhante, é  escritor,  palestrante e professor. Formado em Direito, Letras, Pedagogia, Técnico em Informática, Técnico em Contabilidade.  
Esta publicação pode ser citada ou reproduzida livremente, com a condição de que a sua procedência e autor  seja mencionada .

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13/03/2020

Os Algozes

Amarildo Clayton Godoi Brilhante
Faz tantos dias que sinto saudade de você, do seu olhar penetrante, você parecia com os teus olhos estar lendo a minha mente, esboçava alguns gestos só para chamar a minha atenção. Lembro-me das muitas vezes que tive que correr atrás de você. Fazia isso de propósito. Quando você se colocava logo cedo ao pé da porta, ficava ali me contemplando silenciosamente. Lembro-me de tantos detalhes nessa nossa intrigada relação que nem dou conta de tantas coisas. Você me ouvia silenciosamente, aliás você e somente você soube me ouvir como ninguém. Ah, se não tivessem sido eles, os algozes!
Confesso que a saudade, às vezes, nos maltrata, pois ela é uma evidência de que houve sentimento de amor, esse querer bem. Você correspondia do seu jeito, falava em sua própria linguagem, mas tal era a nossa sintonia que nos compreendíamos em nossas linguagens. Sei que você merecia o melhor, mas sempre foi tratado como um vira-lata. Não posso negar, era mesmo um vira-lata. A riqueza não chegou a seu tempo. Lembro-me do dia que eu havia dito que quando a riqueza chegasse teríamos vida de patrão e você apenas me olhava atentamente. Ao certo pensava que eu era um maluco. Entretanto, a idade já lhe era pesada e aproveitaram a minha ausência para aliviar o teu sofrimento, pois sabiam que isso me causaria dor. O teu fim parecia mesmo estar próximo. A dor, nos faz valorizar a saúde, a alegria nos faz esquecer a tristeza e assim coexistem o bem e o mal nesse imenso trigal.
Ao retornar naquele dia estafante tomei conhecimento do acontecido. Meu peito ficou sufocado com tal notícia, meus olhos se encheram de lágrimas. Fiquei sensível e sensibilizado com a tua partida. Eu sabia que você já vinha sofrendo há longos meses e que aquela doença o maltratava. Mesmo assim, embora parecesse resistir bravamente tudo que tem um início um dia tem um fim, seja ele bom ou ruim, afinal fazemos partes do quadrante do tempo, somos reféns e subjugados por ele.
Já fazia meses que havia um tumor em sua bunda, antes sofrera de cinomose canina. O desleixo era tão grande que nem o acompanhara aplicando as vacinas adequadamente. Ao contrair a cinomose via-o aos poucos arrastando as duas patas traseiras e o problema avolumando. O vírus atacou o sistema nervoso, vendo a complexidade do caso correu para o veterinário, procurou logo o mais barateiro, manifestou o desejo de vê-lo sacrificado, mas a imposição do veterinário fora contrário dizendo: _ "Ainda há salvação!"
Aquietou portanto o coração e o deixou sob os cuidados médicos. Melhorou consideravelmente, porém, houve sequelas. Batia os dentes como quem rangesse com extrema força e a pele sobre os dentes repuxada no canto direito do focinho. Era perturbador vê-lo assim, mas mais perturbador foi o tumor. A sequência de sofrimentos veio a pesar consideravelmente. Suas costas já se encontravam arqueadas, seus pelos caíam, seu tempo de estímulo-resposta já não era mais o mesmo.
Cansado e não mais querendo ter cachorro em sua casa começou a oferecê-lo a várias pessoas. Cada um respondia dando suas desculpas, não querendo arcar com um novo compromisso. Embora insistisse aqui e ali ninguém quis o cãozinho preto e branco, de um olhar meigo, uma cara simpática e que não dava o mínimo de trabalho, nem mesmo para os gatos e ratos. Cheirava a todos que apareciam na casa e rodeava-os em busca de carinho. Parecia estar carente, não dispensava o afago de ninguém. As pessoas ao vê-lo tinham medo dele, mas mal sabiam que bastava um pingo d'água para afugentá-lo, medroso como era fugia dos banhos. Era um verdadeiro exercício para capturá-lo se fosse para banhar.
Mas como nem tudo dura para sempre, nem mesmo os amores, o fatídico dia chegou. Seus algozes estavam de olho, somente esperando a oportunidade. Havia um ali na casa, um que o odiava, vivia proferindo impropérios contra o animal, tão fiel e tão amável, como alguém poderia odiá-lo. Há sempre aqueles que são do contra, que fazem oposição por fazer. E este era um deles, pois não havia motivos. O cãozinho era uma graça. Como qualquer animal era dependente dos tratos de alguém, mas este, ah! este não colocava nem água como convinha. Havia maldade naquele coração. Os cães são como anjos disfarçados que vêm a terra para ensinar ao homem o que é fidelidade, cuidado, amor, proteção e dependência. Homens e mulheres precisam aprender com eles. Os algozes aproveitaram a saída do seu protetor para eliminá-lo. Como sabiam que não retornaria tão cedo dava tempo de executar o plano com certo vagar. A intenção segundo eles era a prática da eutanásia, por fim ao sofrimento. Argumentavam que aquele tumor já estava enorme e que aquilo trazia sofrimento ao bichinho sempre que precisava evacuar, além do fato de já estar velho.
Longe dali seu legítimo dono não saberia do transcorrido, pois o que os olhos não veem o coração não sente, diz o provérbio. Mal sabia que só ao retornar daria conta da morte de seu estimado cãozinho. Naquela viagem acabou por se perder duas vezes na pista entrando em rotas erradas, o que consequentemente atrasou o retorno. Já estava escuro quando chegou a cidade de Santo Antônio do Aracanguá, terra natal. Não desejava nada a não ser descansar e nem havia percebido a ausência de seu animal. Fora para o banho, logo após comeu alguma coisa e caiu na cama. O amanhecer ainda estava por vir. Eles, o executaram. Um dos algozes se aproximou do cachorro que era muito manso, dócil e com uma injeção em mãos aplicaria o que chamamos de anestesia. Pôs a mão sobre o animal na região do pescoço e o alisou, tão logo ganhou a confiança e após as carícias feitas injetou o líquido no animal. Ele consciente sentiu a picada leve, moderada e sobretudo os efeitos da anestesia geral que pouco a pouco o foram amolecendo. Perdendo as forças começou a se dobrar e a deitar. A esta altura, ele já teria percebido que a morte estava a caminho, aliás no dia anterior havia escutado a conversa sobre sua morte e como os cães são criaturas disfarçadas e divinamente criadas já sabia o que haveria de vir. Silenciosamente aceitou o seu destino.
Por outro lado, o que poderia ele ter feito? Aos homens foi dado o poder de submeter as criaturas a sua vontade, é bem lógico que, às vezes, elas é que dão o troco. Um dia da caça outro do caçador. Este foi o dia do caçador. Lentamente foi se deitando até deitar-se por completo, seus olhos foram se fechando pouco a pouco até fechar-se por completo. Não estava morto ainda, mas dava alguns espasmos de vida. Possivelmente, seriam contrações musculares, visto que o cérebro ainda funcionava, embora não sentisse mais o pulsar do coração. Neste instante, friamente e calmamente pegou um revólver de cano prata, uma arma automática já carregada e mirou sobre a cabeça do cãozinho e como alguém tal qual um matador de aluguel, sangue frio, não hesitou, puxou o gatilho calmamente como quem atira despreocupadamente uma pedra num rio. Desferiu um tiro, apenas um. Atingindo assim a parte súpero-anterior, na região cervical vindo a ter uma morte rápida, praticamente indolor. O outro algoz se encarregou da desova do corpo, mas conhecendo-o, jogou em algum lugar, nem mesmo dando a ele uma cova e um funeral digno, pois pelos anos vividos foi motivo de alegrias. Algozes são algozes. Onde a razão prevalece o que menos conta é o coração.
O mais traumático é que no dia anterior aquele olhar revelava muito. Ele me olhou nos olhos como quem se despedisse, nunca me esqueci daquele olhar vivo como uma fotografia em minha mente. Era o olhar de despedida, um olhar sereno. O olhar dele dentro dos meus olhos diziam mais do que mil palavras, era um olhar de retorno e, ainda hoje, convivo com isso como se fosse ontem, aquela imagem dele as portas todas as manhãs, um único e leve assobio e lá estava ele, as batidas na panela, as vezes que morria de medo de água, as vezes que corria pra rua, as vezes que bastava uma palavra e o respeito era imediato, as poucas vezes que andamos na rua, a sua fidelidade e tolerância pelas mazelas do seu dono, entre tantas outras. Você se foi, mas a sua memória se eternizou dentro de mim e sem eu perceber descobri que te amava.
Os algozes nem mesmo me comunicaram o feito. Foi naquela manhã que ao acordar, quando saí a porta, percebi a sua ausência. Assobiei, não tive resposta. Por alguns segundos pensei que você tivesse ganhado as ruas. Percorri todo o quintal e foi então que me dei conta que você não estava mais lá. Eu sei é triste a dor da partida, e temos de aprender a lidar com ela, mas ainda sinto saudades da tua presença, do teu olhar. Saudades eternas...Pitoco.

Dia de Folia!


                Amarildo Clayton Godoi Brilhante
             
            Chego à casa, às 3h20m da madrugada, abro o WhatsApp e o que vejo: noventa e quatro mensagens. Logo, penso! Meus Deus, o que aconteceu? E... Ah, nada não! São apenas fotos de cachorrinhos e cachorrões. Bichinhos amáveis, e para irritar alguns; bichinhos melhores do que o ser humano. (risos)

             Logo, o que faço! Saio do Whats, desligo a internet, e simborá dormir que enquanto os fofinhos estão aí, eu tô bagaceira. A noite é linda, mas a minha cama é melhor ainda.

Tão logo pensei, tão logo fiz, tão logo fui ... dormir porque hoje é carnaval.


Amarildo Brilhante, é  escritor,  palestrante e professor. Formado em Direito, Letras, Pedagogia, Técnico em Informática, Técnico em Contabilidade.  

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12/03/2020

Máscaras

Amarildo Clayton Godoi Brilhante

A santidade que arvora, enoja. Ó podre!
Com vestes santas e ricas desfila pelos corredores, reuniões e festas em seu ar sublime de superioridade, ó podre!
Te achas superior?
Se o papito celestial nos concedesse o DVD(1)  de tua alma
Infância, adolescência, maturidade, velhice
E fosse postado em público
os que te aplaudiram, cuspiriam em tua face
Tu és melhor, não és?
Sabes esconder teu rabo sob fingimentos...
Nem mesmo há em ti sentimento de amor pelo outro
Coração maligno, disfarçado nas vossas bondades, carcomido. Sepulcro caiado! Vives a espreitar, cochichando… a vida alheia é saborosa para ti, falas de teu próximo como se o conhecesse, nunca carregastes nem sequer um fardo ao lado dele, nunca derramastes uma lágrima com ele, miserável! Quando cai sob o leito nem ao menos o visitastes, és podre.
Enxerga-te a ti mesmo, as traves te impedem a visão.
És podre, és miserável!
Esperas estar com o rei algum dia?
Sim estará com o teu, o pai da ganância, da mentira, das falsidades, do desamor.
Tudo que há  em ti são máscaras postas e trocadas em vossas conveniências diárias.
Segue-se a um padrão, teus interesses mesquinhos, ó podre! Nunca repartiste as tuas riquezas, nem chamasse o pobre a participar de tua mesa. Pobre e miserável tu és!
Aprodrecerás e nada levarás, mas ganharás o reino do subsolo
O presente que te aguarda tão ricamente, ó podre!
Olha para a vida dos outros e te põe em ares de superioridade, te achas o puritano.
Não enxerga a ti mesmo miserável, pobre, cego e nu.
Os vermes se deliciarão sobre o teu cadáver.
És pó, és um miserável em meio as tuas riquezas, és pó nada mais! És miserável, nada mais! Terás em teu futuro próximo o consolo da cama na mansão dos mortos.

Amarildo Brilhante, é  escritor,  palestrante e professor. Formado em Direito, Letras, Pedagogia, Técnico em Informática, Técnico em Contabilidade.  
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Observação: 1. DVD é uma sigla de Digital Versatile Disc ou Disco Digital Versátil. É um disco onde são gravados dados e arquivos em formato digital é uma versão mais atual do CD (Compact Disc).