02/04/2014

Legalizem o estupro

                                          Araçatuba, terça-feira, 18 de outubro de 2005.

A revista Veja usou de ironia e mentiu. Quem garante que a Veja não recebera dinheiro da indústria das armas para defender o "não"? Quem garante que a reportagem de capa do "não" não tenha sido uma jogada de marketing? Embora a lei vigente permita que revista e jornais impressos possam se manifestar, a Veja cometeu um grande erro ao tentar influenciar, pois deveria apenas informar. 

A Campanha do "sim" começou tímida e de ambos os lados está fraca e não está muito informativa e esclarecedora. Por outro lado, as emissoras televisivas não estão cumprindo o seu papel de informar convenientemente os telespectadores (art. 221 da Constituição Federal). A televisão e as rádios estão proibidas de se posicionar a favor do "sim" ou do "não".

Segundo entendimento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), se assim não fosse, estas poderiam influenciar a opinião de 70 milhões de eleitores semi-alfabetizados. Se permitisse as emissoras se posicionarem, teria uma guerra em torno do assunto que possibilitaria um maior ganho para o povo e não restando assim espaço para essa coisa morna, quase morta.

Até porque a maioria do povo se informa através da televisão e quase todos têm o aparelho em casa. Equivocou-se o TSE ao restringir as emissoras de rádio e tevê. Ainda são necessários mais debates (a "poderosa" Globo ainda não se manifestou), mais esclarecimentos sobre o Referendo e o Estatuto porque as pessoas confundem ambos.

Quando falamos em desarmamento, já o temos pré-estabelecido desde o vigor da lei 10.826 em 22 de dezembro de 2003, pois se olharmos para os artigos 4.º, 6.º e 10.º vamos notar quem poderá ter posse e porte de armas é um rol muito restrito de pessoas (ver: Decreto 5.123). As armas ilícitas têm de ser devolvidas obrigatoriamente, mas aquelas devidamente registradas e compradas (direito adquirido/ato jurídico perfeito) pelo "cidadão de bem", não é obrigatória sua devolução, e sim a transferência de registro estadual para federal.

No Brasil, há um problema seriíssimo que nos afeta, que é a lei considerada avançada, mas que não funciona porque não há fiscalização e seriedade, daí, então, a falta de credibilidade dos governos. Para se comprar uma arma hoje é necessário ter o curso de tiro.

Há muitas confusões que ainda permeiam o imaginário das pessoas, por exemplo: o Estado pode tirar o meu direito de defesa? Se o "sim" vencer onde se comprará munições nos casos permitidos por lei? Este será regulamentado por lei. A quantidade de munição que cada pessoa poderá ter é atribuição do Exército.

A Adepol (Associação dos Delegados de Polícia) entrou com ação no Supremo Tribunal Federal alegando inconstitucionalidade do referendo. O que inexiste é inconstitucionalidade e vão amargar essa derrota. Agora é estranho que a mesma polícia que diz "Nunca reaja a um assalto" vem, posteriormente, defender o uso de armas por civis. É paradoxal ter arma, mas não poder usar num assalto.
Num país onde as armas matam mais que acidente de trânsito, é importantíssimo que o Estado legisle sobre o direito de ter armas com prioridade ao direito de o cidadão ter à vida. Se a proibição não ajuda resolver parte do problema, então, que tal legalizar o estupro, as drogas, o aborto, a prostituição, a corrupção, o tráfico de órgãos, de crianças, de animais. Um pouco de paternalismo não faz mal.

O Estado tem o direito de resguardar a vida como fez com a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, da regulamentação da velocidade nas pistas por entender que o direito de ter um carro e o direito de usufruir de toda potência do motor colocaria em risco a vida do condutor e de outras pessoas.

Hoje na Grã-Bretanha é necessário apresentar uma boa razão, como estar associado a um clube de tiro, para ter direito à posse da arma, pois a simples alegação de autodefesa desde 1967 não convence.

Vale lembrar que o argumento usado pelo "não" de que a briga do bar não envolve a posse de arma e sim o porte (proibido para a maioria) é uma meia-mentira travestida de meia-verdade, pois quem tem a posse e perde a cabeça vai até em casa e depois retorna armado para matar o outro. É claro também que quem tem armas em casa acaba distribuindo gratuitamente aos bandidos numa situação de assalto (sempre há exceções).

A Revista Veja usou de ironia ao usar o logotipo do Instituto Sou da Paz e mentiu quando em sua capa e na página 79 mostra somente armas de uso restrito das forças armadas possibilitando a leitura de que somos ou seríamos ameaçados por essas armas no dia-a-dia. As armas que mais assustam e destroem hoje são revólveres calibre 38 e pistolas.

Falhou ao falar do desarmamento envolvendo Hitler. Uma boa aula de História ou Sociologia teria resolvido o problema. Esperamos que até o Referendo as pessoas estejam bem informadas porque sem informação não se produz conhecimento. Pense em ser "sim", respirar "sim", viver "sim" e em votar "sim", pois este movimento de desarmamento surgiu com as ONGs que atenderam o clamor das vítimas da violência.

(Texto publicado no caderno Cidades, 18 de outubro de 2005, jornal Folha da Região, Araçatuba/SP).


Amarildo Brilhante é professor, pós-graduando em Línguas e Práticas Pedagógicas em Comunicação e Linguagem e coordenador da Campanha de Desarmamento pela ONG Rede Cidadania em Araçatuba. E-mail: amarbrilha@ig.com.br


Copyright © - Araçatuba/SP
Todos os direitos reservados:  Amarildo Clayton Godoi Brilhante 

Nenhum comentário: