Amarildo Brilhante
Em Portugal, aos seis anos, achava um charme
aqueles salões luxuosos dentro da periferia. Aquele cheiro dos produtos que
estavam a usar no cabelo das mulheres me davam tonturas. Pareciam nem se
importar com tudo, bastava-lhe que saíssem belíssimas e que os elogios fossem o
mais estonteante possível.
Ser criança negra era perceber-me as
dificuldades que eu teria que enfrentar desde cedo. A guerra não se travava
somente com o meu cabelo, mas contra os agentes sociais ferrenhos em seus
olhares, davam-se aos cochichos quando não pela frente, pelas costas as línguas
se desprendiam largamente da boca. Meu cabelo parecia chamar até mais a atenção
que a cor de minha pele. Ambas estavam depositadas em uma cartilha cultural, a
cartilha dos estereótipos, resquícios de colonização. Aquele olhar do outro
sobre mim começava a me incomodar por duas razões: a primeira, será que Jesus
era negro? Tantos abutres espirituais demonizados em pele de homens estavam a
me odiar, era uma perseguição que parecia ser eterna, a segunda, será que me
julgavam incapaz, a sobra de um ser humano, como a sobra de qualquer coisa e,
que para pouco ou nada prestava. Descobri da forma mais dolorosa a segunda. Ela
se deu nas ruas, escola e pelos passeios. Achava apenas que aquilo era coisa de
filme, eu entendi que a personagem era tão somente eu e o filme era a minha
vida, onde nenhum direito a voz tinha. Comecei então a escrever. Pus-me a arte
de literar. Não estava disposto a aguentar a sofreguidão de meus antepassados.
Outra geração, outro século, novo universo e, se eles não queriam mudar, eu
pela força da caneta estava a transcorrer uma nova cultura. A cultura de que o
negro é gente, que não somos maiores nem menores, todos somos e estamos em um
planeta, em um corpo, vivemos num lar, temos um espírito e mente. Sujeitos as
mesmas sentenças da natureza.
Somos massa corpórea feitos na mesma composição
química que nos oferece o universo, ao ponto desta mesma composição se desfazer
igualmente a todos. Aos corpos restam ser carcomidos pelos vermes e tornarmos
ao pó como do pó viemos. Como dizia o poeta Manoel de Barros: Não estou indo em
direção ao fim e, sim em direção às origens.
Bom seria na variedade aprendermos com as crianças,
que a outra criança é apenas uma criança, com quem podemos brincar, cantar,
contar e sonhar e que todos os dias podemos correr ao encontro, tão logo o
astro sol nos convide a renovação da vida em cada amanhecer. A inquietação que
me fadiga é porque, porque, o adulto não se mingua de suas maldades. Aos poucos
tornei-me forte e entendi que ainda que não consiga mudar meus arredores, posso
unir-me a felicidade dos poucos evoluídos espiritualmente e assim
esperançosamente, na minha singularidade, seja apenas eu. Eu sou meu próprio
estado, a consolidação de meus sentimentos, a independer se “meu cabelo é
liso ou não, se black-tie, dreadlocks, rasta, cabelos crespos ou apenas black”.
O mundo é feito de cores e estações e seja qual
for a política de minha identidade, ela irradia-se, tal qual, o raio solar, sou
o que sou. E enquanto escrevo insisto e transmito minha mensagem de consciência
política, I have a dream...
Autor
Amarildo Brilhante
Obs.: O texto acima possui intertextualidade com a autora luandense, Djaimilia Pereira de Almeida, livro Esse Cabelo.
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