26/05/2015

Venceu, não? Sim, venceu.

Texto escrito em 1.º/11/2005

A política sempre foi carregada de ideologia por causa do poder que a envolve. Recentemente, acompanhamos a festa da democracia com rescaldo triste da História que marcou o consciente coletivo de quem viveu um período de loucura cometida por homens em busca do poder, de exibir autoritarismo e, em nome da ganância, da arrogância ostentada e do prazer que alguns tiveram em dominar a qualquer custo, com custo de vidas inclusive a de Vladimir Herzog (Vlado), diretor de jornalismo da TV Cultura (25/10/1975), judeu, intelectual. Homem de paz e que contrariava os interesses dos loucos que ascenderam ao poder. Vlado foi o protagonista de uma tragédia, um ícone (entre tantos outros anônimos e conhecidos), um dos mártires dessa época sangrenta em que muitas vidas foram ceifadas brutalmente. A voz dele diz: não me suicidei, mataram-me; não me suicidei, mataram-me. A época do cálice/ cale-se (Chico Buarque) está sempre presente em determinado tempo e sociedade em maior ou menor grau seja nos gabinetes onde as coisas são feitas sem alarde, seja fora deles. O avanço cientifico - tecnológico não deve ser preocupante, mas sim o que os “loucos” que ocupam o poder poderão fazer com ele. O prefeito Celso Daniel foi morto pelo imperativo categórico dos corruptos de hoje?
A rede Cultura de televisão não foi à única a trazer a memória os fatos da ditadura militar e, sim a Campanha do “não”, organizada pela frente Pela Legítima Defesa. Uma belíssima tacada quando enfocou a questão direito e liberdade ainda que falácias estivessem presentes. Mostrou cenas envolvendo o massacre de Pequim na Praça da Paz Celestial, a queda do muro de Berlim na Alemanha, a ditadura. Falácias? Sim, porque não estamos mais sobre um regime de ditadura, pois, na democracia se desarma a população quando se entende que os direitos individuais colocam em ameaça os direitos coletivos, nesse caso, o bem maior que é o direito à vida, em tese, não poderia ser menor que o direito de se ter ou de se comprar uma arma. Aqui se trata de um mecanismo de bem-estar social, de Segurança Pública. Os governos impopulares buscam desarmar milícia armada (o que não acontece no Brasil) que lhe faça oposição, ou seja, que colocam em xeque o governo.
Quando se fala em liberdade associada à arma de fogo é sempre bom tomar cuidado, pois toda liberdade pressupõe riscos quando não usada dentro dos limites da lei. Ninguém tem a liberdade de fazer o quiser, quando bem entender, de posse de uma arma de fogo.
Os brasileiros aderiram ao “não” por vários motivos, dentre eles: a não aceitação do cerceamento de direitos individuais (ainda que esse direito seja de matar e morrer por arma de fogo); por medo; por sentir-se exposto à ação de marginais; por sentir a omissão do Estado no cumprimento do seu dever constitucional; por estar indignada  com os escândalos de corrupção; por falta de credibilidade ao governo; pela amizade de Luís Inácio Lula da Silva com Fidel Castro e Hugo Chávez, por falta de investimentos e reformulação nas polícias e de projetos integrando-as; e alguns votaram não porque a pergunta e a resposta n.º 1 “não”, juntamente com a falta de informação acabou favorecendo que alguém votasse “não”  pensando estar proibindo o comércio de armas de fogo e na verdade estava permitindo esse comércio.  Em suma, o “não” foi um protesto.
Há pensamentos que precisam ser desmistificados: esse Referendo foi elaborado para esconder os escândalos de corrupção; toda a questão do desarmamento foi ideia do governo; a pergunta foi tendenciosa ou mal-elaborada; o dinheiro poderia ser investido em Segurança Pública ou em projetos sociais. Primeiro: sabe-se que  a questão da elaboração do Referendo estava prevista desde o começo do ano quando ainda nem se quer falava em mensalão e mensalinho. O que descaracteriza a má-intenção; Segundo: a preocupação com o desarmamento surgiu por meio das vítimas da violência nas grandes metrópoles que cansadas com a onda de violência e excesso de armas começaram a gritar por medidas urgentes, daí, então se organizaram através de ONGs  como o Convive, Sou da Paz, Viva Rio; Terceiro: será que a pergunta foi mal-elaborada ou o brasileiro não está ao nível de leitura desejado para responder uma simples pergunta? Evidentemente que os legisladores sabendo do nível educacional em que se encontram muitos brasileiros poderiam ter elaborado de outra forma a pergunta; Quarto: o dinheiro dava para ser investido sim em Segurança, Saúde e Social, mas a pergunta é: por quanto tempo? E o valor investido permaneceria o mesmo ou depois voltaria ao normal, visto que, tudo está previsto por meio de orçamento.
Se olharmos por um ângulo constata-se que as vítimas da violência tiveram suas expectativas frustradas pelo resultado do Referendo, pois seu interesse era dificultar ao máximo o acesso às armas, mas por outro ângulo percebe-se que ganhamos todos, pois o referendo trouxe sobretudo o despertamento das massas em seu contexto social e acabou servindo como termômetro ao governo.

Amarildo Brilhante, professor, pós-graduando em Línguas e Práticas Pedagógicas em Comunicação e Linguagem e membro da ONG Rede Cidadania em Araçatuba. Contato: amarbrilha@ig.com.br

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